sábado, 6 de novembro de 2010

PROFESSORANDAS INESquecíveis


Maria Inês de Brito Ataide

14/10/2010

Queridas alunas.

Não recorri a nenhum teórico, nenhum filósofo e nem poeta para lhes desejar êxitos na profissão que em breve assumirão.

O que quero hoje, véspera do dia 15 de outubro, é fazer uma reflexão sobre as horas que passamos convivendo nesta relação “professor-aluno” tão debatida no contexto escolar. Sei que não foram momentos totalmente prazerosos em função de atitudes exigidas pelo rigor acadêmico. No entanto, quero que saibam do meu apreço por vocês; afinal, convivemos por dois semestres, com cinco disciplinas (Identidade Docente; Avaliação Institucional; Fund. e Met. do Ensino de História; Pedagogia Preventiva e Estágio Supervisionado). Tudo isso é suficiente para conhecê-las, tendo em vista o número reduzido de alunas, a minha formação e a minha história de longa experiência em salas de aula. Conheço a competência, a responsabilidade e o interesse de cada uma, e também o que pensam, o que falam, o que querem, o que sonham e, principalmente, o que as angustiam neste mundo de tantas incertezas. Uma certeza posso garantir-lhes: sairão, desses dois semestres, diferentes de quando entraram, e sabem por quê? Porque trabalhamos com amor, sinceridade, dedicação. Os conteúdos vistos, que para muitos não “passam de teoria”, irão dar suporte à educação dos seus alunos, dos seus filhos e no conviver em sociedade.

O meu desejo é que todas saiam dessa instituição fortalecidas no senso crítico que muito as caracteriza e levem o melhor possível de cada professor que passou por vocês. Coloquem na práxis pedagógica o amor, a competência, a tolerância, a humildade, o diálogo, a justiça, a cumplicidade, a responsabilidade, a amizade, a alteridade, a autonomia e, sobretudo, a resiliência.

Meu último desejo: sejam muitíssimo felizes!

Um grande beijo,

Professora Inês

AS CONTRIBUIÇÕES DO OLHAR SISTÊMICO NA CONCEPÇÃO DE FAMÍLIA E NA IMPORTÂNCIA DO PAPEL DOS PAIS PARA A APRENDIZAGEM DA CRIANÇA.

MARIA INÊS DE BRITO ATAIDE

Quando se fala em família, automaticamente lembra-se de pai, mãe e filhos. Abordar a sua constituição na sociedade contemporânea, implica conceber no interior desta um amplo processo de intervenção produzido pelo outro social e cujos efeitos parecem remeter a um esvaziamento da função simbólica de transmissão a ser realizada por esta instituição. O que se percebe atualmente é que as mulheres estão cada vez mais conquistando sua independência e necessitando cada vez menos da presença masculina dentro de casa. Lacan (1993) se referia nesse sentido, a uma mudança de formas institucionais humanas considerando a existência de um declínio da função paterna devido esta se encontrar em um determinado processo de metamorfose das configurações dominantes que o mal-estar assume numa certa época da civilização já prevista por Freud. Assim, como desconsiderar o fato que a variabilidade histórica da estrutura familiar reflete a ação transformadora do discurso social concreto sobre os sistemas significantes e de ideais presentes no outro, sobretudo na criança? Cabe também destacar que a função formativa da família está sendo apropriada pelo Estado, pelo sistema escolar e meios de comunicação.

Independentemente dessa estrutura familiar o que é fundamental observar é que as pessoas que convivem diretamente com a criança exercem um papel decisivo em sua aprendizagem e contribuem também para a formação de sua personalidade. Neste aspecto, lembra Schettini (2005) que a configuração da personalidade resulta mais da exemplificação do que a explicação que a criança recebe de terceiros. Isto porque a criança ao nascer é um ser de total incompletude e depende exclusivamente dos adultos que estão em sua volta, em especial dos pais ou daqueles que fazem o papel destes.

O ponto de partida do caminho da educação escolar começa nas trilhas iniciadas no âmbito familiar. É fato conhecido que a inscrição da criança no discurso social a partir do século XVII enquanto categoria deu-se essencialmente com os discursos médico-científico e pedagógico, ambos constituídos pelas mudanças histórico-sociais decorrentes deste momento histórico. Nesse sentido, menos que um fato natural, a infância, tal como é compreendida hoje, é uma produção determinada pelas transformações dos sistemas político-econômico-social ocorridos ao longo dos últimos séculos levando-se em conta o desenvolvimento e avanço do capitalismo. Isto permite lembrar que a representação oficial da infância na sociedade moderna encontra-se marcada pelos valores burgueses de liberdade e felicidade. Para Volnovich (1993) é precisamente esse discurso da liberdade que marca a criança no século XX e XXI, dotando-a de direitos que lhe permitem gerenciar seu próprio destino. Isto posto, cabe refletir: Caso a criança não corresponda ao sistema de ideais presentes nesta sociedade marcada pelos valores capitalistas, que posição poderá ocupar no interior da família e na sociedade em geral?

Como se sabe, na família e na escola, as relações de afeto são o fundamento do processo educativo, possibilitando a orientação do fazer sem a tentação de inferir no ser. Portanto, a escola e a família precisam estar integradas para um melhor desenvolvimento da criança, onde ambas tenham o compromisso em lhe proporcionar um ambiente agradável e aconchegante.

Outros fatores como por exemplo, os fatores orgânicos, também são responsáveis pelo desenvolvimento de cada estágio da criança, porém, é fundamental destacar que a relação familiar contribui visivelmente no processo de aprendizagem da criança. Se sua identificação com os pais for sólida, dificilmente adotará valores contrários aos deles, mas, se for tênue, poderá receber influências de valores defendidos por grupos externos.

Com base nos pressupostos da Teoria Geral dos Sistemas, Lima (apud ANDOLFI, 1981), relaciona aspectos metodológicos dessa teoria, à concepção de família como um sistema em interação, como um fator essencial na análise das relações entre comportamento individual e grupo familiar e ainda destaca:

Como sistema interativo, a família é vista como um conjunto de unidades interligadas, de modo que qualquer mudança em uma provoca mudanças no sistema como um todo. Essa dinâmica do sistema evidencia a tendência da forças nele operantes a homeostase, ou seja, qualquer circunstância que venha a romper esse equilíbrio provocará novas mudanças nesse sistema a fim de restabelecê-lo. ( LIMA, p. 3, 2008).

Isto mostra que, como qualquer organismo dinâmico que sofre mudanças em uma das partes, pressupõe alterações em todo sistema. Porém, o que se quer destacar aqui é que tanto a educação quanto a família se modifica com o tempo influenciados pelas diferentes relações sociais e históricas. Assim, a família considerada como um sistema aberto, ou seja, em constante interação com outros sistemas, possui a capacidade de auto-regulação, resultando numa adaptação do sistema às novas demandas.

Segundo Viana (2000), a associação entre o contexto familiar e a aquisição da linguagem, está constituída, por três fatores fundamentais: o lingüístico, o cognitivo e o interacional. O fator interacional que de certo modo está atrelado aos outros dois enfoques, é o que mais inerfere, sobretudo no que se refere à fala, porque é a partir da interação com o outro que se começa a elaborar o texto verbal. Portanto, é nesse contexto que se desenvolve o processo de aquisição da linguagem. Esse fenômeno não se constitui apenas de uma mera informação específica, mas, evidencia a natureza das relações entre as pessoas que se comunicam. Neste caso, o modo como se fala é importante para o entendimento do conteúdo da mensagem que deve ser observado no sistema familiar para não correr riscos de comprometer os níveis de comunicação. Ainda nesse sentido, Vygotsky (1987) destaca que é nessa relação familiar que a palavra e o pensamento articulam-se e a criança passa a se interessar pelas atividades intelectuais envolvidas.

O desenvolvimento cognitivo tem início no período pré-verbal ou sensório-motor que vai até os três anos, em que permite uma maior autonomia e manuseio dos objetos e possibilita à criança uma maior exploração do espaço que a envolve e principalmente a evolução da função simbólica e da linguagem. Essa fase é importante porque contribui muito tanto para a formação da personalidade quanto para educação infantil que necessita de suporte para o desenvolvimento da coordenação motora. Com relação a esse aspecto é dever dos pais estimular a aprendizagem da criança contando coisas sobre o mundo que a cerca. Neste contexto, destaca Lima (apud MORENO, 1995):

Os pais devem sempre oferecer a criança materiais para serem manipulados, como livros de histórias, jogos educativos, objetos da casa, sendo muito importante a participação deles nos jogos. Que tenham boa disposição para responder e formular perguntas, utilizem palavras e enunciados que a criança conheça ou estar prestes a conhecer, cerquem-na de atividades rotineiras e de vez em quando lhe ofereçam alguma novidade.

Percebe-se desta maneira, que o desenvolvimento da criança ocorre a partir do momento em que ela participa da história e da cultura familiar, antes mesmo de sua inserção escolar. Pois, o cotidiano em que são apresentados os conceitos relativos aos objetos e fatos presentes na vida da criança e o científico são conceitos formados a partir aprendizagem apresentada pelo ensino. É nesse ponto que a zona do desenvolvimento proximal é considerada um componente importantíssimo, porque prepara a criança para ter mais autonomia, e se vê a aproximação do conhecimento real com o conhecimento potencial. E isso só acontece a partir da interação de duas ou mais pessoas.

Diante do exposto, constata-se que a família deve estar sempre acompanhando a criança para que ela se desenvolva tanto afetivamente quanto cognitivamente. Como conseqüência, a educação escolar integrada à educação familiar fará da criança um adulto autêntico, preparado para conviver numa sociedade que anseia por cidadãos que atendam os quatro pilares da educação: aprender a ser, aprender a aprender, aprender a fazer e aprender a conviver. Quer seja nas relações interpessoais, no âmbito familiar ou no contexto da escola, urge-se por uma desaprendizagem da desconfiança, da impaciência, do desrespeito, do medo, do julgamento antecipado e da incredulidade. Libertos destas ervas daninhas que usurpam o espaço do crescimento, a criança pode conquistar o respeito por si mesma e pelo outro. Desta forma é capaz de aprender qualquer coisa.


REFERÊNCIAS

LACAN, Jacques. Os complexos familiares na formação do indivíduo: ensaio de análise de uma função em psicologia. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1993.

LIMA, William de Freitas. Relações familiares e processos de aprendizagem. Texto complementar. Brasília, 2008.

SCHETTINI, Luiz filho. Desaprender para aprender na relação família-escola. Revista AEC: n. 134; janeiro/março, 2005.

VIANA, Marigia. O papel da família no processo de aquisição da linguagem. Revista Symposium: ano 4; dezembro, 2000.

VOLNOVICH, Jorge. A psicose na criança. Rio de Janeiro: Relume-Damará, 1993.

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes,1997.