quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A PSICOGÊNESE DA LEITURA E ESCRITA

Maria Inês de Brito Ataíde

Os estudos sobre a Psicogênse da leitura e escrita, desenvolvidos por Ferreiro e Teberosky, marcaram a história do processo de alfabetização. Utilizaram o marco conceitual da teoria psicogenética de Piaget, que trata das características dos processos cognitivos, para compreender os processos de construção do conhecimento no caso particular da linguagem escrita. Essas autoras declaram que é fundamental que o professor das séries iniciais do ensino fundamental tenham conhecimento da psicogênese para entender a forma pela qual a criança aprende a ler e escrever, para detectar e entender os “erros” construtivos característicos de cada fase da criança. A alfabetização, segundo Ferreiro (1995), têm sido tradicionalmente considerado como objeto de uma instrução sistemática e como algo que deva ser ensinado e cuja aprendizagem suporia o exercício de uma série de habilidades específicas, e ainda argumenta:

As atividades de interpretação e de produção de escrita começam antes da escolarização, como parte da atividade própria da idade pré-escolar; a aprendizagem se insere em um sistema de concepções previamente elaboradas e não pode ser reduzido a um conjunto de técnicas perceptivo-motoras. (FERREIRO, 1995, p. 42).

Já para Soares (2003), a alfabetização é um processo permanente, que se estenderia por toda a vida, que não se esgotaria na aprendizagem da leitura e da escrita. Entende que a escrita não é simplesmente um produto escolar, mas sim um objeto cultural, resultado do esforço coletivo da humanidade.

Considera-se que a criança percorre, no seu desenvolvimento, dentro de seu ambiente cultural, o mesmo caminho percorrido pela humanidade na organização de seu conhecimento: o ser humano partiu do pictórico e construiu uma simbologia (alfabeto), e, de maneira similar, a criança inicia a representação do mundo por meio de gestos ou do desenho e chega ao símbolo e às regras sistemáticas reconstruindo o código lingüístico utilizado na sua comunidade. Assim, na aprendizagem da leitura e da escrita, a criança tem como ponto de partida o sentido do mundo e dos objetos que a cerca, porque aprende pensando, estabelecendo relações sobre as características da linguagem presente ao seu redor.

Os estudos de Ferreiro deixaram transparente a idéia de que a criança reconstrói o código lingüístico e reflete sobre a escrita. Com esse pensamento desenvolveu várias hipóteses que servem de base para se construir o conhecimento alfabético.

Hipótese pré-silábica: a criança registra garatujas, desenhos sem configuração e, mais tarde desenhos com figuração. Mistura letras com números, não respeita a quantidade de letras, repete letras e não tem consciência da correspondência entre pensamento e palavra escrita.

Hipótese silábica: a criança já estabelece uma relação entre a escrita e a pronúncia das palavras, porém, utiliza uma letra para cada sílaba ou palavra ou, ainda, numa mesma palavra as letras podem se repetir.

Hipótese silábica-alfabética: a criança entra em conflito com a hipótese silábica. Elimina letras ou acrescenta, usa muito as vogais e às vezes não se consegue ler o que ela escreve. A combinação de letras serve para escrever uma porção de palavras. Nesse momento o valor sonoro torna-se imperioso.

Hipótese alfabética: a criança relaciona um grafema a cada fonema e abandona a hipótese silábica; compreende a lógica da base alfabética escrita; tem conhecimento do valor sonoro convencional de todas ou de grande parte das letras, juntando-as para que formem sílabas e palavras; faz distinção de letra, sílaba, palavra e frase. Porém, às vezes, na frase, ainda não divide gramaticalmente, e sim de acordo com o ritmo frasal.

A compreensão dessas hipóteses pelo professor é fundamental, pois exige uma mudança em sua prática pedagógica, uma vez que, ele sendo o mediador do processo precisa conviver com o “quando” e ”como” intervir. Por meio das sondagens é possível que a intervenção seja adequada e contínua. Cada criança tem necessidade de um tempo próprio para resolver conflito. Ao professor, cabe também respeitar os níveis reais de desenvolvimento do aluno para prosseguir com as atividades necessárias.

APRESENTAÇÃO DOS SUJEITOS

Participaram desta pesquisa duas crianças do sexo feminino. A primeira criança, de nome fictício, Isadora, tem 5 anos, freqüenta uma turma de Educação Infantil em uma escola pública de uma Região Administrativa do Distrito Federal. A segunda criança, cujo nome fictício é Larissa, é aluna do 2° ano do Ensino Fundamental da mesma escola de Isadora e tem 8 anos de idade.

PROCEDIMENTOS DE CONSTRUÇÃO

Inicialmente a pesquisadora dirigiu-se à escola que se localiza na mesma Região Administrativa onde reside. É uma Escola-Classe da rede pública que contempla alunos da Educação Infantil até o 4º ano do Ensino Fundamental. Com a autorização da diretora e professora, as crianças foram convidadas a se retirarem de suas salas de aula para outra sala ao lado da direção. Após uma apresentação do trabalho a ser feito, houve uma conversa informal com as crianças para que elas se sentissem confortáveis e ficassem mais desinibidas. Foi entregue um papel branco com lápis, e, em seguida, foram ditadas, vagarosamente, as seguintes palavras do mesmo grupo semântico, (comidas/bebidas): uma monossílaba, outra dissílaba, outra trissílaba, outra polissílaba, bem como a frase com a palavra dissílaba: ( Ver anexo).

- Mel

- Suco

- Banana

- Refrigerante

- O suco está doce

As crianças escreveram de forma tranqüila e sem qualquer constrangimento. Ao final da atividade, a pesquisadora agradeceu a colaboração e entregou as crianças em suas salas. Elas também agradeceram e demonstraram alegria por participar de uma atividade extra-classe. Percebeu-se que se sentiram importantes por terem sido escolhidas, mesmo que esta escolha tenha sido feita aleatoriamente.

ANÁLISE DOS DADOS

Ao analisar a atividade desenvolvida por Isadora, a criança de 5 anos, observou-se que ela está a um passo da escrita alfabética, uma vez, que ela se encontra na hipótese silábica-alfabética, pois apresenta as seguintes características:

- Estabelece relação entre a escrita e a pronúncia da palavra;

- Conhecimento silábico com valor sonoro;

- Usa ainda algumas letras espelhadas;

- Utiliza menos letras para algumas palavras, como por exemplo, a palavra “refrigerante”;

- Já consegue dar espaço entre as palavras na frase citada.

Notou-se que apesar da pouca idade, (5 anos), esta criança está numa fase avançada, visto que em determinadas palavras ela não apresenta dificuldades, e, não misturou letras com números ou desenho, que é muito comum nesta idade.

Quanto ao trabalho desenvolvido por Larissa, a criança de 8 anos, apresenta as características de uma criança que se encontra na hipótese alfabética, avançando para o nível ortográfico. Já reconstrói o sistema lingüístico e compreende a sua organização. Ler e expressa graficamente o que ouve e fala, pois faz relação entre som e letra. Não apresenta dificuldades nos encontros de consoantes, como “fr” na palavra “refrigerante”. Notou-se também, que é uma criança com ótimo desempenho intelectual.

Com base nos estudos de Ferreiro, a ordem de progressão de condutas não impõe efetivamente um ritmo determinado na evolução das crianças. Algumas chegam a descobrir os princípios fundamentais de sistema antes de iniciarem a escola, ao passo que outras, estão longe de conseguir fazê-lo. Porém, cabe ao professor conhecer as concepções que a criança desenvolve a respeito da língua escrita, e tornar-se um mediador, propondo atividades e questionamentos que levem a criança a “desestruturar o pensamento”, isto é, a duvidar de suas idéias, colocar em conflito suas certezas sobre os símbolos e, comparar e refletir elaborando uma nova hipótese.

CONCLUSÃO

Este trabalho procurou mostrar o quanto é fundamental para a formação do psicopedagogo conhecer a psicogênse da leitura e escrita, uma vez que, o objeto de estudo deste profissional é a aprendizagem, principalmente as dificuldades apresentadas pela criança durante este processo. Dentro desta amostra, percebeu-se que é possível estabelecer interpretações significativas de produções da criança e fazê-la avançar quando necessário. O desenvolvimento da leitura e da escrita é um processo construtivo, e, que a informação sistemática propiciada pela escola, é apenas um dos fatores intervenientes, embora saibamos que é a escola quem tem a responsabilidade social de alfabetizar a criança.

A partir da análise dos dados, pode-se constatar que é muito difícil julgar a hipótese conceitual de uma criança, considerando unicamente os resultados de uma atividade sem levar em conta o processo de construção no decorrer de outras ações desenvolvidas. No entanto, é muito válido as investigações sobre a psicogênese, pois, permite tanto ao psicopedagogo quanto ao professor atuar como mediador no processo ensino–aprendizagem e fornecer pistas para o aprendente tornar-se alfabético.

A sondagem diagnóstica nesse processo é uma atividade essencial porque além de refletir sobre o pensamento da criança, capacita também o profissional a conhecer as hipóteses da criança envolvida no processo de alfabetização.

O processo de aprendizagem para a alfabetização deve ser organizado de modo que a leitura e a escrita sejam desenvolvidas por intermédio de uma linguagem real, natural, significativa e vivenciada. A criança precisa sentir a necessidade da linguagem e o seu uso no dia-a-dia. Assim, a assimilação do código lingüístico não será uma atividade de mãos e dedos, mas sim uma atividade de pensamento, uma forma complexa de construção de relações. Como declara Ferreiro, “a preocupação em desenvolver a linguagem escrita e não a escrita das letras deve ser uma constante”.

Conclui-se que é preciso acrescentar os fatores sociais, econômicos, culturais e políticos à natureza complexa do processo de alfabetização, com suas facetas psicológica, psicolingüística, sociolinguística e linguística. Uma teoria coerente da alfabetização que inclui a psicogênese só será possível se a articulação e integração das várias facetas do processo forem contextualizadas social e culturalmente e iluminadas por uma postura política que resgate seu verdadeiro significado.

REFERÊNCIAS

AZENHA, Maria da Graça.. Construtivismo - de Piaget a Emília Ferreiro. São Paulo: Editora Ática,1997.

COCCO, Maria Fernandes. Didática da alfabetização. São Paulo: FTD, 1996.

FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 1995

___________ & TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.

SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2003

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